JUAN JOSÉ GIAMBIAGI: IN MEMORIAM ¹

PERFIS

JUAN JOSÉ GIAMBIAGI: IN MEMORIAM ¹

Faleceu no dia 8 de janeiro de 1996, no Rio de Janeiro, depois de uma insidiosa doença, o professor Juan José Giambiagi, um dos mais brilhantes físicos latino-americanos. Nascido em Buenos-Aires, na Argentina, em 18 de junho de 1924, bacharelou-se em Física na Universidade de Buenos Aires, em março de 1948, e doutorou-se por essa mesma Universidade, em 1950. Depois de concluir, em 1953, uma bolsa de pós-doutoramento com Léon Rosenfeld, na Universidade de Manchester, na Inglaterra, foi trabalhar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) (que havia sido fundado em 1949), a convite do professor José Leite Lopes, onde conheceu o professor Jayme Tiomno, com quem faria, a partir de 1967, uma série de trabalhos (e, também, com a participação do argentino Carlos Guido Bollini). A convite da Comissão Nacional de Energia Atômica, fundada em 1950, Giambiagi voltou à Argentina, em 1956, para dirigir a Divisão de Física Teórica dessa Comissão. Um ano mais tarde, juntamente com Bollini e Gonzáles Dominguez (este, seu orientador de tese), foi ensinar e pesquisar no Departamento de Física da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires. Em 1958, trabalhou com o futuro Nobel (1969) Murray Gell-Mann, no California Institute of Technology (CALTEC), como bolsista da Fundação Rockefeller.

Naquela Faculdade, Giambiagi ajudou a fundar e consolidar um grupo de Física Teórica e Experimental, de grande prestígio internacional (dentre os físicos desse grupo se destacam Alessandrini e Virasoro), até 1966, quando o mesmo foi desfeito em virtude de a maioria de seus pesquisadores, incluindo Giambiagi e Bollini, haver pedido demissão por não concordar com a invasão militar da Universidade de Buenos Aires, promovida pelo Movimento Militar Argentino; essa invasão fez com que cerca de 200 físicos deixassem a Argentina. Contudo, Giambiagi e Bollini decidiram ficar em seu país, e logo foram contratados pela Fundação Bariloche. Quando essa Fundação deixou de receber verbas do Governo do General Onganía, em 1968, Bollini e Giambiagi ficaram desempregados; Bollini foi então contratado para a Universidade de La Plata e Giambiagi foi para o Departamento de Física da Universidade de São Paulo (DF/USP), a convite do professor Tiomno, que se tornara Catedrático da Cadeira de Física Teoria e Superior daquele Departamento, depois de realizar concurso para a mesma, em dezembro de 1967.

Foi em São Paulo, onde me encontrava fazendo pós-graduação em Física no DF/USP, num domingo de agosto de 1968, que conheci o professor Giambiagi, no apartamento do professor Tiomno e de sua esposa, professora Elisa Frota Pessoa, na Rua Maria Figueiredo, no bairro Paraíso, pois lá estávamos (eu, Marcelo Otávio Caminha Gomes, e o casal Jaime e Regina Warszawski) para almoçarmos juntos, a convite do casal Tiomno. De lá, até sua morte, Giambiagi foi um grande amigo meu. Nesse artigo, vou contar alguns fatos decorrentes dessa amizade.

Em março de 1969, quando pensei num tema para minha Tese de Mestrado, conversei com o professor Giambiagi. Sendo eu professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Giambiagi achou que eu deveria fazer um trabalho de tese que pudesse ser útil para a formação de um grupo de pesquisas em Belém. Assim, sugeriu que o melhor seria eu fazer uma Tese de Mestrado em Magnetohidrodinâmica. Aceitei a sugestão e imediatamente matriculei-me no curso de pós-graduação Introdução à Magnetohidrodinâmica, que foi ministrado pelos professores Roberto Mallet e Djalma Redondo. A intenção do professor Giambiagi era a de orientar-me numa Tese de Mestrado, no qual eu desenvolveria a construção de um gerador magnetohidrodinâmico. Por indicação dele, comecei a selecionar e estudar uma série de “papers” sobre esse tema. No entanto, com a aposentadoria do professor Tiomno em 25 de abril de 1969, em decorrência do Ato Institucional Número 5 (AI-5), o grupo liderado por esse professor desfez-se e, com ele, a orientação de minha tese, já que o professor Giambiagi deixou o DF/USP, voltando à Argentina, para a Universidade de La Plata, a convite do professor Bollini.

Lembro-me perfeitamente no dia em que estávamos no apartamento do professor Tiomno e ouvimos a Voz do Brasil anunciar a sua aposentadoria. No fim desse noticiário, Giambiagi virou-se para mim e disse: Não sei o que será de sua Tese, pois acompanharei o Tiomno para onde ele for. É oportuno registrar que quando a comunidade internacional de físicos soube da aposentadoria do professor Tiomno, vários telegramas foram enviados ao General-Presidente Artur da Costa e Silva, condenando o ato e se solidarizando com esse professor. Um deles, por exemplo, foi do Nobel Chen Ning Yang, com que Tiomno havia trabalhado na Universidade de Princeton, em 1950.

A perda da orientação do professor Giambiagi permitiu-me, como compensação, que eu conquistasse uma grande amizade de dois professores do DF/USP, Normando Celso Fernandes e Mauro Sérgio Dorsa Cattani, aprofundasse a amizade com os professores Tiomno, Elisa e Giambiagi, e escrevesse meu primeiro livro.

Na véspera do dia que voltaria para Belém, no começo de julho de 1969, depois de completar todos os créditos do Mestrado e do Doutorado, encontrei-me com o Normando embaixo do prédio (Conjunto “Alessandro Volta”) onde ficavam as salas dele e do Mauro. Ao comentar com ele que eu estava voltando sem perspectiva de concluir o Mestrado, já que Giambiagi não se encontrava mais em São Paulo, ele perguntou-me porque eu não ia falar com o Mauro para saber se estaria disposto a me orientar. Subi rapidamente, fui até a sala do Mauro e narrei a conversa que tive com o Normando. O Mauro, que havia sido meu professor de exercícios na disciplina Relatividade, ministrada no segundo semestre de 1968, pelo professor Tiomno, falou-me rapidamente de seu trabalho sobre Forma de Linhas Espectrais e perguntou-me se estava interessado. Ao responder afirmativamente, ele logo esboçou o problema em que trabalharia e tirou cópias xeroxs dos artigos que deveria ler. Desse modo, comecei a trabalhar com o Mauro, com quem conclui o Mestrado em 1973 e o Doutorado em 1975, e continuamos a trabalharem juntos até hoje. [Adendo (2005): ainda continuamos trabalhando juntos, agora com a Mecânica Quântica de de Broglie-Bohm.]

O curso que fiz sobre Magnetohidrodinâmica permitiu-me, conforme afirmei acima, escrever meu primeiro livro: Introdução à Mecânica dos Meios Contínuos, publicado pela UFPA, em 1973, uma vez que ao aprender o formalismo tensorial com Mallet e Djalma, consegui entender um pouco melhor os meios contínuos, cujo primeiro contato com eles eu havia tido em 1957, ocasião em que fui aluno do professor Alírio César de Oliveira, na disciplina Hidráulica, na então Escola de Engenharia do Pará (EEP), quando, pela primeira vez, aprendi o que era gradiente de uma função. Devo registrar que o curso de Relatividade Geral que fiz com o professor Luís Alberto da Rocha Barros, junto com o de Magnetohidrodinâmica, ajudou-me também no entendimento daquele formalismo.

A ida do professor Giambiagi para a Universidade de La Plata, em 1969, e minha volta para Belém, também nesse mesmo ano, fez com que nossa amizade ficasse apenas numa boa lembrança. Porém, quando o professor Giambiagi voltou para o Brasil, em agosto de 1976, primeiro para trabalhar na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e, logo depois, no CBPF, acompanhando o professor Tiomno, nossa amizade voltou a se materializar.

Em 1978, o professor Giambiagi foi fazer uma visita ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus e, na volta, passou por Belém. Então, a meu convite, fez uma Conferência no Departamento de Física da UFPA, sobre Os 50 anos da Teoria Quântica de Campos, assunto em que era um grande especialista, e para a qual, juntamente com Bollini, deu uma grande contribuição original, qual seja, o desenvolvimento do método de eliminação da divergência que aparece naquela Teoria, usando o número de dimensões como variável contínua. Esse trabalho, publicado em 1972 (Nuovo Cimento B12, p. 20) (foi escrito um pouco antes do trabalho dos holandeses Gerard ´t Hooft e Martinus Veltman sobre o mesmo tema e considerado pela mídia científica como o trabalho que renormalizou essa mesma Teoria), foi rejeitado em sua primeira tentativa de publicação. No entanto, o seu mérito foi reconhecido por Abdus Salam, em sua Nobel Lecture, em 8 de dezembro de 1979. [Adendo (2005): ´t Hooft e Veltman ganharam o Prêmio Nobel de Física de 1999, pelas pesquisas relacionadas com a renormalização da Teoria de Quântica de Campos.]

Dessa sua única visita a Belém, lembro-me de um aspecto de sua personalidade: sua grande simplicidade. Quando passamos pela frente do Edifício Selecto, na Avenida Presidente Vargas (junto ao Edifício Piedade), disse-lhe que havia calculado a sua estrutura de concreto armado, quando ainda exercia a função de Engenheiro Civil especialista em Cálculo Estrutural. Ele parou, olhou pra o prédio e me disse: Oh! Bassalo, pelo menos já fizeste uma coisa útil na tua vida. Eu não, pois só faço ‘Field Theory’ (‘Teoria de Campo’) que, provavelmente, não serve para nada. Esta atitude bastante simples sempre acompanhou o seu caráter, mesmo depois de receber as maiores honrarias, como, por exemplo ao ser escolhido membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia de Ciências da América Latina, da Academia de Ciências do Terceiro Mundo e da Academia Nacional de Ciências Exatas e Naturais da Argentina, ao receber a Medalha de Ouro Ricardo Gans e o Prêmio de Consagração Nacional, em Buenos Aires, assim como o Prêmio México de Ciência e Tecnologia, em 1991, e a Ordem Nacional do Mérito Científico do Brasil, em 1993.

Ao concluir esta pequena homenagem ao meu grande amigo Giambiagi, quero ressaltar uma de suas grandes virtudes: a luta na formação de uma Escola de Físicos. Essa luta incessante ele a praticou, quer nas diversas instituições em que ensinou e pesquisou [Universidades de Buenos Aires e La Plata, USP/SP, USP/São Carlos, PUC/RJ, CBPF e Centro Internacional de Física Teórica (CIFT), em Trieste, Itália], quer na Direção do Centro Latino Americano de Física, quer na organização de seminários internacionais e na fundação (com o mexicano Marcus Moshinisky e o brasileiro Leite Lopes) da inesquecível Escola Latino-Americana de Física. Desta saga, beneficiou-se a nossa UFPA, pois foi a seu convite (por minha indicação) que o saudoso professor Henrique Santos Antunes Neto e o talentoso professor Luís Carlos Lobato Botelho, fizeram Doutoramento no CBPF. Eu próprio, fiz meu primeiro estágio de pós-doutoramento, em 1984, no CBPF, também a seu convite.

Não poderia fechar este artigo sem falar na veia humorística do professor Giambiagi. Por exemplo, ao indicar-me a leitura do livro A Nuvem Negra do grande astrônomo inglês Sir Fred Hoyle, disse-me: Veja Bassalo como o cientista (em seu íntimo) deseja ser o centro de atenções do mundo. Nesse livro, em síntese, uma Nuvem Negra (que se alimenta do calor do Sol), se aproxima da Terra e tenta entrar em contato com os terráqueos a fim de passar-lhe informações científicas que certamente desconheciam. Depois de uma grande disputa mundial entre políticos, empresários, cientistas, operários, estudantes, religiosos, etc., para saber quem iria dialogar com a Nuvem, foi finalmente escolhido um cientista: o Astrônomo Real – o maior cargo exercido por um astrônomo na Inglaterra. É oportuno dizer que quando a Nuvem Negra lhe passou todas as informações ao astrônomo, ele morreu. Deixo ao leitor, a conclusão sobre a moral da história. Como se tratava de uma das preferidas do saudoso amigo Professor Juan José Giambiagi, ele certamente logo contou a São Pedro, quando este foi recebê-lo na PORTA DO CÉU!

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1. Artigo publicado no livro Crônicas da Física, Tomo 5 (EDUFPA, 1998); no livro Ciência e Sociedade – Perfis, Editado por Francisco Caruso Neto e Amós Troper (CBPF/CNPq, 1997); e na Ciência e Sociedade CBPF-CS-002/96, Fevereiro de 1996.

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