OPINIÕES
HOMENAGEM AO PROFESSOR BASSALO ¹
Prof. Dr. Alex Fiúza de Mello
Reitor da UFPA
Dizia o notável e emblemático reitor da Universidade de Campinas, Zeferino Vaz, que uma Universidade é constituída, em primeiro lugar, por cérebros, em segundo lugar, por cérebros, em terceiro, por cérebros, em quarto, idem, em quinto pelo resto (bibliotecas, computadores, laboratórios etc.). O conceito de “cérebros”, aqui – permito-me a interpretação –, precisa ser resgatado não apenas – o que é essencial, obviamente – no sentido de conjunto de indivíduos altamente capacitados em suas áreas e métiers de atuação e que, por isso mesmo, são aptos a gerar conhecimento novo e formar quadros profissionais de alta qualidade; seu significado deve englobar também a função, por poucos exercida – dada a dedicação e sacrifício exigidos –, da liderança, baseada na competência e na coerência e integridade de atitudes, na formação de uma comunidade académica, de um grupo articulado de indivíduos (professores/pesquisadores) voltados à realização de um projeto coletivo de trabalho de longo prazo destinado exatamente à efetivação das finalidades últimas da Academia: formar quadros profissionais de qualidade e produzir e disseminar conhecimento. A história das ciências, nas suas inumeráveis manifestações – inclusive aquelas de recorte regional –, é resultado da soma e da síntese dessas trajetórias.
Em âmbito amazônico, o professor doutor José Maria Filardo Bassalo – homenageado particular da presente publicação – é um desses líderes. Sua história intelectual e académica confunde-se com a da Universidade Federal do Pará. Desta, pode-se dizer, é um dos patronos. É, dela, sujeito instituinte. Ator e criador. De suas aulas, pesquisas, trabalhos publicados, incentivos, cultivos e articulações locais e nacionais formaram-se já, pelo menos, duas gerações de físicos, geofísicos e outros profissionais correlatos, decorrendo de tudo isso o surgimento de grupos e estruturas académicas hoje consagrados e que traduzem muito do que, hodiernamente, representa a UFPA em âmbito regional, nacional e internacional.
A trajetória do professor Bassalo – vale a imagem – é uma das múltiplas faces da história das ciências na Amazónia. Face positiva, ilustração exemplar, carregada de simboíismo e pioneirismo. Sim, porque o homenageado não é apenas alguém que cumpriu e honrou, ao longo de sua vida, um compromisso profissional, um contrato de trabalho ou seus afazeres departamentais de rotina. Foi muito além. Transformou a saga de construir uma Universidade (merecedora deste nome), nos trópicos, em ideal de vida. Dedicou sua biografia à causa. Amou-a e exercitou-a. Combateu o bom combate. E entre sofrimentos e alegrias, conquistas e decepções, vitórias e derrotas – a história nunca corresponde exatamente aos nossos sonhos! –, para além dos limites estruturais e históricos insuperáveis da periferia, ensinou, com o seu trabalho e os produtos dele decorrentes, que, se a alma não é pequena, tudo vale a pena.
As instituições são sempre, histórica e sociologicamente, superiores aos indivíduos. Porém, perante os homens que não se rendem ao existente e sonham e lutam por utopias transcendentes – e a edificação de uma Universidade é uma delas –, as instituições são sempre, esteticamente, inferiores. Afinal, a Universidade é o Homem; mas poucos homens são a Universidade. É nessa perspectiva que devemos entender a importância da presente publicação. A narrativa biográfica do professor Bassalo – ao lado de tantos outros artigos interessantes que compõem a presente coletânea – é parte substantiva da história da Universidade Federal do Pará. A história da UFPA restaria incompleta sem a narrativa biográfica do professor Bassalo. De resto, também, a história das ciências na Amazónia.
Bassalo, no passado, por imposição do Al-5, foi impedido de viajar para o exterior e lá doutorar-se. Fê-lo, assim, contrariado, na USP, em São Paulo – espaço que lhe restou. Hoje, por imposição (também) de uma legislação autoritária (ou pelo menos imprudente), foi obrigado a aposentar-se compulsoriamente, sem ser consultado, quando ainda pretendia, na plenitude de suas capacidades mentais e de sua experiência acumulada, continuar a contribuir com a Academia. Triste país, esse nosso, que trata seus intelectuais, professores e pesquisadores com tamanho desdém. Doutor, professor titular, pesquisador com quase 200 trabalhos publicados sobre a História da Física e quase 40 artigos científicos publicados em revistas especializadas no Brasil e no exterior, o nosso professor homenageado, arquétipo do professor universitário brasileiro, aposenta-se com pensão em valores inferiores a um técnico de nível médio do Poder Judiciário, em início de carreira – e certamente a muitos motoristas e ascensoristas do Poder Legislativo federal. Certamente Bassalo, indivíduo e mestre, pela sua obra, é muito superior e mais largo que o substrato que emana da maioria das instituições públicas brasileiras – suas leis e suas sentenças.
Pelos seus 50 anos de dedicação à causa da educação e da ciência, apesar das injustiças deste país, obrigado, Professor!
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1. Artigo publicado no livro: Alves, J. J. A. 2005. Múltiplas Faces da História das Ciências na Amazônia, EDUFPA.