Conforme registrei no artigo intitulado Ensino Holístico ou Bancário? (Ciência e Sociedade CBPF-CS-002/03, Maio de 2003), durante o período de minha vida em que fui estudante (graduação e pós-graduação) e docente na Universidade Federal do Pará (UFPA), tive oportunidade de aprender lições que não pertenciam aos programas disciplinares, mas que se constituíram em ensinamentos para toda a minha vida de como um Professor deve se comportar para ser um Educador-Informador (E-I), conforme o defini naquele artigo.
O primeiro ensinamento aconteceu quando eu realizei o Curso de Engenharia Civil (1954-1958) na então Escola de Engenharia do Pará. No quinto ano desse Curso, em 1958, fui aluno do saudoso engenheiro civil paraense Angenor Porto Pena de Carvalho (1911-1990) na Cadeira intitulada Portos de Mar, Rios e Canais. Durante suas agradáveis aulas, além do conteúdo inteiramente pertinente ao tema tratado nas mesmas, ele usava sempre o seguinte aforismo: – Não se deve ignorar aquilo que se ignora. Com isso, ele queria transmitir aos seus alunos que o importante em cada aula era que eles deveriam gravar em suas mentes: o conceito (com o formalismo correspondente) do assunto tratado para ser resgatado por ocasião de sua vida profissional. E isso, ele completava, valia para qualquer tipo de aula e em qualquer disciplina das duas culturas: a técnica e a humanista.
O segundo ensinamento ocorreu quando eu estava no Instituto Central de Física Pura e Aplicada da Universidade de Brasília (UnB) [dirigido pelo físico brasileiro Jayme Tiomno (1920-2011)], em 1965, iniciando o Bacharelado em Física. Nessa ocasião eu era Instrutor de Ensino da hoje Universidade Federal do Pará (UFPA). Pois bem, quando lá cheguei, encontrei o físico brasileiro Roberto Aureliano Salmeron (n.1922), então Diretor do Instituto Central de Ciências (ICC/UnB), ministrando as disciplinas Física I, II para cerca de 200 alunos do Curso Básico da UnB, das áreas das Engenharias e das Ciências Básicas (Física, Geologia, Química e Matemática). Nessa época, eu não sabia que o Professor Salmeron era um cientista de renome internacional, devido a ter participado de uma das principais experiências mundiais [William R. Frazer, Elementary Particles, Englewood: Prentice Hall, 1966)] que ocorreu, em 1963, quando ele e mais 16 físicos do Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN), em Genebra, Suíça, comprovaram a existência de dois neutrinos [um associado ao elétron () e outro associado ao múon ()]. Eu apenas o conhecia por haver estudado em seus livros: Introdução à Eletricidade e ao Magnetismo e Introdução à Óptica, que os usava em minhas aulas no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (o lendário CEPC), e ignorava esse seu trabalho científico.
Eis o ensinamento que recebi do Professor Salmeron (com quem cursava a disciplina Física Atômica e Nuclear). Em suas aulas de Física I, II ele usava o livro de Francis W. Sears e Mark W. Zemansky, University Physics (Addison-Wesley Publishing Company Incorporation, 1964). Para que os alunos fixassem as suas aulas, ele passava dez (10) problemas semanais aos seus quase 200 alunos, problemas esses que eram corrigidos e discutidos por nós [o mineiro Miguel Armony (n.1939), o paraense Carlos Alberto da Silva Lima (n.1940) (meu ex-aluno no CEPC) e eu próprio], que éramos alunos do Bacharelado em Física. Pois bem, durante as reuniões que tínhamos com ele sobre o desenvolvimento das aulas de Física I, II, perguntei-lhe a razão de ele ministrar uma disciplina de Física Básica. Eis sua resposta: – Bassalo, quando os alunos entram na Universidade eles precisam receber cursos de professores que tenham uma visão integral da disciplina, para que possa orientá-los nos diversos caminhos que compõem a mesma. Depois disso, eles serão capazes de entender as disciplinas de temas específicas (p.e.: eletromagnetismo e estrutura atômica e nuclear).
Foi no meu Mestrado em Física do Estado Sólido que realizei (1968-1969) no hoje Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF/USP) que tive oportunidade de receber meu terceiro ensinamento. Isso aconteceu, em 1969, quando era aluno do físico japonês Jun-ichi Osada (n.1929) na disciplina Introdução à Física das Partículas Elementares. A avaliação final desse curso aconteceu com uma prova no qual ele nos entregou uma folha em branco e um envelope e disse: – Formule e resolva problemas sobre cada uma das três interações físicas (eletromagnética, fraca e forte). Ele completou sua fala dizendo que poderíamos consultar livros e ao terminá-la, colocássemos no envelope e puséssemos em seu gabinete, por baixo da porta. E se despediu. Com isso, ele queria conhecer a capacidade de criação do aluno.
Hoje, passada mais de uma década do artigo citado de 2003, vou justificar a proposta título deste artigo, baseando-me na minha experiência como professor do então Departamento de Física da UFPA, considerando também meu trabalho como um Cronista da Física (bassalo.com.br) e, levando em conta o papel que os aplicativos disponibilizados pela mídia eletrônica (capitaneada pela Internet) colocam à disposição do elo professor-aluno. Desse modo, em meu entendimento, um Educador-Informador (E-I) (ou Educador-Integral, como hoje o defino) deve obedecer a dois princípios básicos: P1) Ensinar o conteúdo de sua disciplina, seguindo a evolução filosófico-conceitual da mesma; P2) Preparar seu aluno para ser um cidadão que deverá servir para o desenvolvimento da região em que atua, tendo em vista a diminuição cada vez maior da desigualdade social, uma das características mais gritantes de nosso mundo globalizado.
Quem deverá preparar esse Novo Professor, perguntará o leitor? Fundamentalmente, qualquer instituição pública responsável pelo ensino, em todos os seus níveis (fundamental, médio, graduação e pós-graduação), bem como de órgãos, também públicos, fomentadores de ensino e pesquisa, visando o desenvolvimento do Brasil. Essa postura pública deverá servir de exemplo para instituições privadas envolvidas em ensino. Para que o leitor tenha uma ideia do E-I, vou reproduzir um texto que se encontra em meu blog de meu site.
“Para haver uma mudança de paradigma no Binômio Educação-Desenvolvimento do Estado do Pará é necessário, no meu entendimento, um Projeto de Estado que envolva a formação de alunos, professores e profissionais com um suporte filosófico (para compreender como aconteceu o desenvolvimento de países avançados), visando o crescimento do Pará. Para isso, será necessário recriar o Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC) com uma função dupla: ministrar o ensino médio e formar professores para esse ensino. Inicialmente, deve ser criado um Corpo Docente com carreira bem determinada [Assistente (Bacharel); Adjunto (Mestre); Associado (Doutor); Titular (Doutor e Defesa de um Memorial Descrito relatando suas Atividades de Ensino e Pesquisa)], por intermédio de Concursos Públicos [os três primeiros com a obrigação de ministrar uma Aula (que demonstre criatividade do autor) e sorteada entre 10 temas: se houver empate, a escolha será pelo melhor Curriculum Vitae]. Esse Corpo Docente seria obrigado a ministrar aulas para o Curso Médio, assim como a preparação de professores por intermédio de Cursos que envolveriam conteúdo e seu aspecto filosófico. A complementação desse binômio será realizada pela Universidade Estadual do Pará (UEPA), que preparará professores para o Ensino Superior, e por um futuro Instituto de Ciência e Tecnologia da Amazônia (ICTA) que formará profissionais tendo em vista o entendimento e a solução dos problemas amazônicos, cujas condições de contorno são autóctones e, portanto, não podem ser copiadas (transferidas) de outras regiões. É claro que os salários desses novos mentores-binomiais devem ser compatíveis com a dignidade humana. Por fim, o papel da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (FAPESPA) será fundamental, com a complementação salarial e financiamento de projetos relacionados ao desenvolvimento do Pará”.
Nota: Este artigo homenageia meu filho José Maria Coelho Bassalo (n.1963) e a minha neta Anna-Beatriz Bassalo Aflalo (n.1992) pelas histórias de suas vivências, respectivamente, como professor e aluna, em Cursos de Arquitetura, ministrados em Universidades (pública e privada).