No Século 6 a.C., o filósofo e poeta grego, o cretense Epimênides afirmou que: – Todo cretense é mentiroso (citado na Epístola de Paulo a Tito, Tito 1:12), conhecido com o Paradoxo do Mentiroso (PM). Cerca de 200 anos mais tarde, o filósofo grego Aristóteles de Estagira (384-322), em seu livro Metafísica, criou a hoje conhecida Lógica Aristotélica (LA) (Lógica de Dois Valores ou Lógica Formal) [Newton Carneiro Affonso da Costa, O Conhecimento Científico (Discurso Editorial/FAPESP, 1997]: – Dizer do que é que não é, ou do que não é, que é, é falso; enquanto dizer do que é que é, ou do que não é, que não é, é verdadeiro. Isso pode ser resumido no seguinte esquema (T): – Se S for uma sentença e for o seu nome, então: a) é verdadeira se e somente se S; b) Se não é verdadeira, ela é falsa (F). A LA tem como fundamento o Princípio do Terceiro Excluído (Princípio da Não Contradição): – Toda Sentença ou é Falsa (F) ou é Verdadeira (V).
A LA, no entanto, não explica o PM, pois: – Se ele estiver dizendo a verdade, então ele não é mentiroso; se estiver mentindo, então está dizendo a verdade. Esse paradoxo pode ainda ser apresentado como o Dilema do Crocodilo. Um crocodilo rouba uma criança e diz ao pai dela: – Devolverei sua criança se você adivinhar corretamente se eu vou ou não devolvê-la. O pai responde: – Você não vai devolver a criança. O Dilema do Crocodilo consiste em saber o que ele fará. Se o crocodilo decidir não devolver, ele tem que devolver, pois o pai acertou a pergunta. Se decidir devolver, então não adiantou ele roubar. É oportuno destacar que o PM tem várias versões, como o leitor poderá ver consultando a Wikipédia, que também poderá ser usada para outros temas tratados neste artigo.
Agora, vou tentar apresentar o dilema título deste artigo. Em 1964, o filósofo e educador canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) publicou o livro intitulado Understanding Media (Entendendo a Mídia), no qual criou o conceito de aldeia global que significava dizer que o progresso tecnológico estava reduzindo o planeta Terra à mesma situação que ocorre em uma aldeia. Nessa época, o progresso tecnológico (considerado a partir da era atômica, que sucedeu ao progresso da era industrial, iniciado no Século 17, com destaque para as invenções: avião, navio, automóvel, rádio e televisão) se resumia, principalmente, em: 1) invenção da pilha atômica (reação nuclear) pelo físico ítalo-norte-americano Enrico Fermi (1900-1954; PNF, 1938), em 1942; 2) descoberta do DNA (DeoxyriboNucleic Acid) pelos biólogos moleculares, o norte-americano James Dewey Watson (n.1928; PNF/M, 1962) e os ingleses Francis Harry Compton Crick (1916-2004; PNF/M, 1962) (também físico), Maurice Hugh Frederick Wilkins (1916-2004; PNF/M, 1962) e Rosalind Elsie Franklin (1920-1958) (também física e química), em 1953; 3) invenção do circuito integrado (chip) pelo físico e engenheiro eletricista Jack St. Claire Kilby (1923-2005; PNF, 2000), em 1959; 4) invenção do light amplification by stimulated radiation (laser), pelo físico norte-americano Theodor Harold Maiman (1927-2007), em 1960; 5) descoberta das células-tronco (stem cells) (que podem ser regeneradas) pelos biólogos canadenses Ernest Armstrong McCulloch (1926-2011) e James Edgar Till (n.1931), em 1961; 6) invenção do light-emitting diode (LED) pelo físico norte-americano Nick Holonyak Junior (n.1928), em 1962; e 7) invenção da tomografia computadorizada (TC) pelo médico nuclear norte-americano David Edmund Kuhl (n.1929), em 1964.
A partir da concepção de McLuhan de aldeia global terrestre, sua consolidação como tal se deve ao progresso tecnológico que continuou a ocorrer vertiginosamente até os dias de hoje, com destaque para: 8) invenção da transmissão de luz por fibras ópticas (FO) pelo físico sino-norte-americano Charles Kuen Kao (n.1933; PNF, 2009), em 1966: 9) invenção da técnica de evaporação de alto-vácuo MBE (Molecular Beam Epitaxy) (início da nanotecnologia) pelo engenheiro eletricista sino-norte-americano Alfred Yi Cho (n.1937), em 1968; 10) invenção do sensor CCD (Charge-Coupled Device) pelos físicos norte-americanos Willard Sterling Boyle (n.1924; PNF, 2009) (nascido no Canadá) e George Elwood Smith (n.1930; PNF, 2009), em 1970; 11) descoberta da orientação de cristais nemáticos (CN) (moléculas alongadas) por um campo elétrico pelos físicos alemães Martin Schadt (n.1938) e Wolfgang Helfrich (n.1932), em 1971; 12) invenção da câmara digital (CD) pelo engenheiro eletricista norte-americano Steven J. Sasson (n.1950), em 1978; 13) invenção dos mostradores de cristais líquidos LCD (Liquid-Crystal Displays) por Traian Beica, Stefan Frunza, M. Giurgea, L. Matei, T. Serban e M. Voda, em 1979; 14) invenção do microscópio de tunelamento de varredura (MTV) pelos físicos, o alemão Gerd K. Binnig (n.1947; PNF, 1986) e o suíço Heinrich Rohrer (n.1933; PNF, 1986), em 1982; 15) invenção da World Wide Web (WWW) pelo cientista da computação, o inglês Sir Timothy John “Tim” Berners-Lee (n.1955), em 1989; 16) descoberta do nanotubo pelo físico japonês Sumio Iijima (n.1939), em 1991; 17) clonagem (a partir das células da glândula mamária de uma ovelha adulta) da ovelha Dolly [nome dado em homenagem aos seios da atriz norte-americana Dolly Rebecca Parton (n.1946)] pelo embriologista inglês Sir Ian Wilmut (n.1944), em 1996; 18) descoberta do grafeno pelos físicos russos Konstantin Sergeevich Novoselov (n.1974; PNF, 2010) e Andre Konstantinov Geim (n.1958; PIgNF, 2000; PNF, 2010), em 2004; 19) descoberta das células-tronco no líquido amniótico por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Wake Forest, na Carolina do Norte, em 2007; e 20) descoberta da molibdenita (dissulfeto de molibdênio –MoS2), que substituirá o silício (Si) e o grafeno na construção de dispositivos eletrônicos, por B. Radisavijavic, A. Radenovic, J. Brivio, V. Giacometti e Andras Kis, em 2011.
Em vista dos vinte (20) principais (para mim) eventos (descobertas e invenções) do desenvolvimento tecnológico acontecidos entre a última década da primeira metade do Século 20 e a primeira década de nosso Século 21, a população terrestre atual tem a sua disposição uma possibilidade de consumo (de bens decorrentes daquele desenvolvimento) cada vez maior: quer para seu bem estar de trabalho e entretenimento; quer na qualidade de uma vida mais longa e saudável jamais por ele vivenciada em todos os tempos, cujos detalhes podem ser vistos nos textos: Michio Kaku, A Física do Futuro: Como a Ciência Moldará o Destino Humano e o Nosso Cotidiano em 2100 (Rocco, 2012) e Edoardo Boncinelli, Carta a um Menino que Viverá 100 Anos: Como a Ciência nos Fará (Quase) Imortais (Guarda-Chuva, 2011).
No momento, a possibilidade de uma vida descrita acima é bastante restrita, pois apenas uma fração muito pequena (creio ser menor do que 10% ou menos ainda) dos atuais cerca de sete (7) bilhões de terrestres, podem-na usufruir. Apesar desse pequeno número de pessoas consumistas, o nosso planeta está sendo bastante ameaçado de manter condições de habitalidade. Se, por um acaso (o que não aconteceu até agora na História da Humanidade), se a todo terrestre for permitido usufruir a vida consumista descrita acima, nosso planeta, por ser finito, sofre um grande risco de se tornar inabitável.
Em vista do exposto acima, podemos concluir este artigo enunciando O Dilema do Habitante da Aldeia Global: – Todo terrestre cuida do planeta; se cuida, ele não consome como seu desejo exige e, então, morrerá de tédio; se não cuida, ele morrerá com o planeta em virtude do consumo.
Ao fechar este artigo, é oportuno fazer um comentário sobre o dilema tratado no mesmo. Um leitor, conhecedor da obra do psicanalista austro-húngaro Sigmund Freud (1856-1939), se lembrará de que dela decorre (de modo direto ou indireto), o apotegma: – O Homem não é um Ser Social – e, portanto, ele dirá que esse dilema nunca acontecerá, pois (como tem acontecido até hoje) terrestres egoístas (que pensam somente em si) não deixarão que terrestres altruístas (que pensam no coletivo) consigam que aconteça o apotegma: – Todo terrestre tem o mesmo direito de usufruir do consumo produzido pelo desenvolvimento científico. Creio que essa ação dos egoístas (em número extremamente maior entre os terrestres) contra os altruístas (em número ínfimo também entre os terrestres) decorre da afirmação feita pelo economista e escritor inglês John Gray (n.1948) em seu livro Cachorros de Palha (Record, 2009), de que o desenvolvimento científico (DC) produz um problema insolúvel, qual seja, o de enfraquecer a natureza humana. [O leitor que quer ter uma ideia do que o DC tem produzido de ruim para aumentar a ganância da Humanidade para conseguir cada vez mais dinheiro, deve consultar os dois textos do filósofo norte-americano Michael J. Sandel (n.1953): Justiça e O que o dinheiro não compra (Civilização Brasileira, 2012).]Assim, como parece que aquela ação aumentará, pois o desenvolvimento científico continuará cada vez maior e mais célere, a questão levantada pelo leitor levará a outro enunciado do Dilema do Habitante da Aldeia Global: – Todo terrestre tem o mesmo direito ao consumo decorrente do desenvolvimento científico; se tem, ele morrerá com o planeta que não resistirá a esse consumo; se não tem, ele morrerá pela luta da conquista desse direito.
Outro leitor (ou o próprio leitor considerado) refletirá: – Se o terrestre morrerá de qualquer maneira, então não existe o dilema. Existe sim: – Quem sairá do planeta Terra para os exoplanetas descobertos, com as mesmas condições de vida terrestre, e com possibilidades tecnológicas de chegar até eles e habitá-los?
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