PERFIS
LOURENÇO E O REITORADO DA UFPA ¹
O grande filósofo holandês Baruch Spinoza, que viveu no século XVII (e, também, o romancista francês Eugène Ionesco), afirmaram que viver é perder amigos, conforme me alertou meu amigo Henrique Fleming, físico e professor da Universidade de São Paulo (USP). No entanto, pelo menos comigo, esse aforisma pode ser modificado para viver é perder amigos e se reconciliar com alguns. Dentre os amigos com quem me reconciliei, encontra-se José Seixas Lourenço, que no dia 3 de julho concluiu seu mandato de Reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), iniciado em 1985.
Conheci o Lourenço como meu aluno nos três anos do então Curso Científico do Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), no começo de 1960. Inteligência aguçada e de objetivos bem determinados, como bem mostrava suas provas de Física, sempre perfeitas na forma e no conteúdo. Logo em 1963, Lourenço partiu para o Rio de Janeiro, a fim de prestar Exame Vestibular na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), para o Curso de Física. Foi o primeiro colocado. A ida de Lourenço para o Rio, juntamente com outros paraenses (Adalberto da Costa Dias, Bernardino Ribeiro Figueiredo, Carlos Alberto da Silva Lima, Carlos Alberto Lobão da Silveira Cunha, Herberto Gomes Tocantins Maltez, João Baptista Guimarães Teixeira, José Haroldo da Silva Sá, José Ricardo de Souza, Manoel Gabriel Guerreiro, Marcelo Otávio Caminha Gomes, Olivar Antônio Lima de Lima, Raymundo Netuno Nobre Villas, Romualdo Homobono Paes de Andrade e Sérgio Cavalcante Guerreiro), acrescidos de outros que foram posteriormente (1965) para Brasília (Antônio Fernando dos Santos Penna, Antônio Gomes de Oliveira, José Augusto Dias, Luís Fernando da Silva e eu próprio), deu início à materialização de uma idéia que o então Bacharel em Física, o paraense Carlos Alberto Dias, tivera de formar um grupo de paraenses de alto nível para dar início a um processo novo de libertação da Amazônia de seu subdesenvolvimento cultural e econômico. Essa idéia foi apresentada por Dias a mim por ocasião em que veio ao Pará, no começo de 1962, depois de se formar na FNFi, para ministrar um curso de Física Atômica, no então recém-criado Núcleo de Física e Matemática (NFM) da Universidade do Pará. A seleção desses jovens paraenses, hoje, todos ilustres, foi feita por mim, que era professor deles no CEPC.
Depois de bacharelar-se em Física pela USP, já que para lá se transferira em virtude do Movimento Militar de 1964 haver acabado com a FNFi, Lourenço começou a fazer o Mestrado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), enquanto trabalhava como pesquisador no então Centro de Atividades Espaciais (CNAE), em São José dos Campos, em São Paulo. Em 1968 partiu para Houston, Texas, nos Estados Unidos, para realizar o Doutoramento em Física de Atmosfera. No entanto, por sugestão de Carlos Dias, transferiu-se depois para a Universidade de Berkeley, na Califórnia, para obter o Doutoramento em Engenharia de Geociências-Geofísica, havendo-o concluído, naquela Universidade, em 1972.
Chegando ao Brasil, ainda em 1972, Lourenço trabalhou inicialmente no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geofísica da Universidade Federal da Bahia (CPPG/UFBA), então coordenado por Carlos Dias. Em setembro desse mesmo ano, juntamente com outros paraenses (Antônio Oliveira, Haroldo Sá, Gabriel Guerreiro e sua esposa, a carioca Sônia, e Herberto Maltez e sua esposa, a paulista Maria Gil), veio para a UFPA, a fim de implantar o então Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geofísica da Universidade Federal do Pará (CPPG/UFPA), mais tarde Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas (NCGG), que havia sido planejado por Carlos Dias. Essa implantação não foi fácil, pois houve muita reação contra ela e partida de alguns altos dirigentes da UFPA, naquela ocasião. No entanto, graças à determinação e firmeza do então Reitor da UFPA, Professor Doutor Aloysio da Costa Chaves e à liderança do Lourenço, o NCGG foi devidamente implantado. [Por não ser oportuno no momento, deixarei de comentar essa oposição. Porém, ela está sendo contada, em uma publicação da revista Ciência e Cultura, no trabalho do cientista político George Cerqueira Leite Zarur. Adendo (2005): Ciência e Cultura 41, p. 319 (1989).]
Foi na implantação e consolidação do NCGG que surgiu a minha divergência com o Lourenço e o grupo de Geociências, razão pela qual deixei de privar da amizade deles por cerca de dez anos. Essa divergência foi, fundamentalmente, de ordem filosófica. Eu, acredito que equivocadamente, pensava que se pudesse fazer no Terceiro Mundo uma Universidade do Primeiro.
Depois de dirigir o NCGG por quase dez anos, Lourenço foi dirigir o Museu Paraense “Emilio Goeldi” (MPEG) e, a partir de 1985, tornou-se então Reitor da UFPA, para cuja campanha, por motivos óbvios, não colaborei, embora soubesse, por conhecê-lo bem, que teria condições de exercer um grande Reitorado por suas qualidades administrativas que havia demonstrado no NCGG e no MPEG. É sobre esse Reitorado que gostarei de tecer alguns comentários.
Muito embora uma pessoa realize uma série de importantes trabalhos em sua vida, são apenas alguns desses trabalhos que ficarão marcados para sempre, quer positiva, quer negativamente. Por exemplo, Einstein fez uma série de importantes trabalhos em Física. No entanto, a sua notoriedade adveio do trabalho que fez em Relatividade, principalmente a Restrita (apesar de haver conquistado o Prêmio Nobel de Física de 1921, por seu trabalho sobre o efeito fotoelétrico). Porém, o fato de não haver realizado o seu grande sonho – a Teoria Unificada -, talvez isso seja considerado o lado negativo de suas contribuições.
Pois bem, Lourenço fez uma série de trabalhos importantes como Reitor da UFPA. No entanto, em meu entendimento, duas coisas serão a marca indelével de sua passagem pela UFPA: a interiorização e a implantação da Pós-Graduação e Pesquisa em Exploração Geofísica do Petróleo. A interiorização foi bastante criticada (eu mesmo fiz críticas a ela), porém, não podemos negar que este foi um passo importante dado pela UFPA para justificar o verdadeiro sentido de seu nome – Universidade Federal do Pará -, e o seu papel histórico em termos de Amazônia. O outro fato importante, que foi a implantação da pesquisa em exploração de petróleo, graças à grande ajuda da PETROBRÁS e da competência e liderança científica incontestes do professor Carlos Alberto Dias, contudo, só poderá ser julgada na perspectiva do tempo, porém, há um excelente começo já definido.
Ainda no meu entendimento, o lado negativo da administração do Lourenço foi a não realização da ESTATUINTE. Porém, assim como Einstein tentou legitimar sua Teoria Unificada, Lourenço tentou fazer a ESTATUINTE. Eu mesmo fui testemunha dessa luta no CONSEP e no CONSUN. Assim como o “momento histórico” não havia chegado para a Unificação proposta por Einstein (década de 1920), o que só ocorreu com a Teoria de ‘Gauge’ surgida na década de 1950, também o “momento histórico” não havia chegado ao Lourenço. A ESTATUINTE sairá com o professor Nilson Pinto de Oliveira, o próximo Reitor da UFPA, e sucessor de Lourenço. [Adendo (fevereiro de 2005): a ESTATUINTE ainda não foi implantada na UFPA.]
Por fim, gostaria de concluir esta homenagem ao Lourenço ressaltando, ainda no meu entendimento, uma das maiores virtudes como administrador: saber escolher e lutar pelo seu sucessor. Isso aconteceu com a sucessão no NCGG, na pessoa do professor Raymundo Netuno Nobre Villas, na direção do MPEG, com o professor Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, e agora na Reitoria da UFPA, com o professor Nilson Pinto de Oliveira, todos pessoas altamente competentes e dignas do maior respeito.
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1. Artigo publicado em O Liberal, no dia 4 de julho de 1989.