PERFIS
LA PENHA: GERADOR E GERENCIADOR DA CIÊNCIA ¹
GUILHERME MAURÍCIO SOUZA MARCOS DE LA PENHA nasceu em Belém, no dia 9 de março de 1942. Após cursar o primário no Instituto Suíço-Brasileiro (ISB), o ginasial no Colégio Marista Nossa Senhora de Nazaré (CNSN) e obter o diploma de Agrimensor, pela Escola de Agrimensura do Pará (EAP), La Penha prestou o Exame Vestibular para a então Escola de Engenharia do Pará (EEP), no começo de 1960. Foi no ano anterior que o conheci, como aluno de Física de um Curso de Preparação ao Vestibular. Ainda em 1960, La Penha transferiu-se para o Rio de Janeiro, a fim de cursar Engenharia Mecânica, na Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ), onde concluiu a graduação, em 1964.
No Rio de Janeiro, paralelamente ao Curso de Engenharia Mecânica, La Penha estudou também Matemática no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) como bolsista de Iniciação Científica do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), a partir de 1960. Essa formação em Matemática foi o que lhe permitiu estudar, com todo o rigor matemático, a Mecânica dos Meios Contínuos. Esse trabalho foi desenvolvido nas diversas teses que defendeu: Mestrado, PUC/RJ, 1965; Master of Arts, Universidade de Cambridge, Inglaterra, 1966; Philosophical Doctor (PhD), Universidade de Houston, Estados Unidos da América (USA), 1968; Pós-Doutorado, Universidade de Carnegie-Mellon, Pittsburg (USA), 1969.
A partir daí, La Penha começou a trabalhar em Ciência, quer como agente-gerador, quer como agente-gerenciador. Como agente-gerador, foi professor-pesquisador Visitante em quase todas as Universidades Brasileiras, como também o foi nas Universidade John Hopkins e Virginia (USA), no Centro Internacional de Ciências Mecânicas, em Udine, Itália e na Universidade de Karlsruhe, na Alemanha. Dessa intensa atividade científica, resultou a publicação de 75 trabalhos em revistas nacionais e internacionais, assim como a edição de sete livros, sendo dois no exterior, nos quais tratou, fundamentalmente, de Matemática Aplicada e de Mecânica Clássica do Contínuo.
Após concluir o pós-doutorado na Universidade de Carnegie-Mellon, La Penha voltou ao Brasil, na segunda metade de 1969, iniciando então o papel de agente-gerenciador da Ciência, paralelamente ao papel de agente-gerador da mesma. Assim, no Rio de Janeiro, em 1969, La Penha ajudou a criar e coordenou os Programas de Engenharia Mecânica e de Engenharia Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Ainda nesse mesmo ano de 1969 e até 1976, dirigiu o Instituto de Matemática dessa Universidade Federal Brasileira (IM/UFRJ).
Em 1977, La Penha foi trabalhar na Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e, como seu Diretor de Desenvolvimento Científico, teve oportunidade de exercer o papel de agente-gerenciador da pesquisa científica, agora, ao nível nacional. Foi nesse ano de 1977 que La Penha voltou a Belém, a convite (por minha indicação) do Departamento de Física da Universidade Federal do Pará (DF/UFPA), para organizar o primeiro Curso de Especialização promovido por esse Departamento. Foi Guilherme quem orientou a montagem desse Curso que, por sinal, serviu de modelo para outros Cursos de Especialização realizados por alguns Departamentos da UFPA. Por ocasião dessa sua vinda a Belém, La Penha entrou em contato com o grupo de pesquisadores do então Núcleo de Ciências Geofísica e Geológica (NCGG), da UFPA, sob a liderança do professor José Seixas Lourenço. Esse contato foi muito útil para o NCGG, pis a partir dele, La Penha pôde ajudar financeiramente o mesmo. Por exemplo, ele concedeu 900.000 dólares para o NCGG desenvolver seu grupo de Matemática Aplicada. Registre-se que o La Penha gostava tanto do Pará que, por ocasião em que o Departamento de Matemática de nossa Universidade (DM/UFPA) instalou o Curso de Mestrado, Guilherme doou, a esse Departamento, toda a sua biblioteca especializada em Matemática.
Durante o tempo que permaneceu na FINEP (1977-1978) e, posteriormente, na Secretaria de Ensino Superior do Ministério de Educação e Cultura (1979-1980) e como Vice-Presidente do CNPq (1980-1982), La Penha continuou ajudando, principalmente, vários grupos emergentes de pesquisa no Brasil, em especial os da UFPA, recebendo, em virtude disso, o título de Doutor Honoris Causa das Universidades do Pará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Em 1982, em decorrência da reestruturação do CNPq, foi extinta a sua Vice-Presidência. La Penha, então, sendo Pesquisador Titular desse órgão de fomento à pesquisa, manifestou desejo de passar uma temporada em Belém para ajudar mais diretamente a sua terra natal. Assim, em 1983, a convite do professor Lourenço, então Diretor do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), La Penha foi nomeado Assistente Especial do CNPq para a Amazônia, e passou a atuar no MPEG, sendo que uma de suas principais atividades foi a de reestruturar a Biblioteca dessa centenária Instituição de Pesquisa.
Ao lidar com a Biblioteca do MPEG (e, também, com a Biblioteca Pública do Estado do Pará), La Penha restaurou preciosidades bibliográficas encontradas nessas Bibliotecas, como, por exemplo, alguns livros de Matemática dos séculos XVIII e XIX. Foi por essa ocasião que Guilherme começou uma nova especialidade de sua atividade intelectual: a de Historiador das Ciências Exatas e Naturais. Assim, chegou a publicar artigos sobre o matemático suíço Leonhard Euler, sobre o naturalista e matemático francês Charles Marie de la Condamine, e estava concluindo um trabalho sobre o matemático brasileiro Joaquim Gomes de Souza, o famoso maranhense conhecido como Souzinha.
Em 1984, La Penha voltou aos Estados Unidos, desta vez como consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Assistente Especial do Departamento de Ciência e Tecnologia da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. No entanto, atendendo ao “apelo dos diabinhos que deixou junto ao seu umbigo”, conforme afirmou em carta que me escreveu, voltou a Belém, em agosto de 1985, para dirigir o MPEG. De março até agosto de 1987, acumulou a direção desse Museu com o cargo de Secretário de Cultura do Estado do Pará (SECULT). A partir de então, deixou essa Secretaria e, como Assessor Especial do Governador Hélio da Mota Gueiros, trabalhou na estruturação e implantação da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará (SECTAM/PA).
No período em que La Penha dirigiu o MPEG (1985-1991), realizou importantes obras científicas para o Pará, como, por exemplo, a ESTAÇÃO DE PESQUISAS “FERREIRA PENNA”, na Floresta de Caxiuanã, em Melgaço, no interior do Pará (iniciada em 1990 e concluída, em 1992, já na direção do químico Guilherme Maia) e a ligação do MPEG com o Laboratório Nacional de Ciência da Computação (LNCC), sediado no Rio de Janeiro, do qual, aliás, La Penha era Pesquisador Titular.
Por fim, ao concluir esta homenagem ao meu saudoso e grande amigo G (como ele costumava assinar), devo destacar outro aspecto cultural de sua personalidade inquietante. Trata-se de sua sensibilidade pelas artes e pelo patrimônio histórico público. Por exemplo, como Secretário de Cultura do Pará e Presidente da Fundação Cultural “Tancredo Neves”, no Governo de Jáder Barbalho (1991-1994), informatizou esses dois órgãos, criou o Salão Paraense de Artes Plásticas, instalou o Museu do Estado do Pará, e preparou o inventário de todos os bens artísticos e culturais de Belém. Além disso, estava sempre pronto para acatar e ouvir qualquer deliberação do Conselho Estadual de Cultura (do qual, aliás, era também membro), bem como ajudar qualquer manifestação artística pública ou privada. Como exemplo desse traço de sua personalidade, foi a bela homenagem que lhe prestou o Coral da SAGRI, por ocasião da Missa do Sétimo Dia, de seu falecimento, que aconteceu no MPEG, onde, inclusive, também fora velado o seu corpo.
Ao morrer, em 6 de fevereiro de 1996, La Penha exercia o cargo de Diretor de Programas Espaciais da Agência Espacial Brasileira, sediada em Brasília, para onde foi, em 1995, como uma espécie de exílio científico, já que o maniqueísmo político de então, não percebeu que o Pará estava deixando escapar uma das figuras intelectuais mais brilhantes.
Assim, até o final deste mês de dezembro, teremos mais um lançamento, graças aos esforços de organização e apresentação dos trabalhos de Júlio César, realizados pelo saudoso médico paraense Fernando Medina do Amaral, por Luís Carlos Bassalo Crispino, professor de Física da UFPA, e por membros da Editora/Gráfica da UFPA (Läis Zumero, Lairson Costa, José dos Anjos Oliveira, João Carlos Moares, Maria Auxiliadora Prado, Manoel Lima e Carlos Galeno da Costa). É claro que essa saga só foi possível, por haver recebido o apoio do Reitor da UFPA, professor Alex Bolonha Fiúza de Melo, por intermédio de seu Gabinete (Sílvia Helena Arruda Brasil).
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1. Artigo publicado nos livros Diversidade Biológica e Cultural da Amazônia (Organizadores: Ima Célia Guimarães Vieira, José Maria Cardoso da Silva, David Conway Oren e Maria Ângela D´Incao) (MPEG, 2001); Crônicas da Física, Tomo 5 (EDUFPA, 1998); na Ciência e Sociedade CBPF-CS-014/97, abril de 1997; e nos jornais Diário do Pará e A Província do Pará, no dia 25 de fevereiro de 1996.