PESQUISA
A RESSOCIALIZAÇÃO DE UM PÓS-GRADUADO EM FÍSICA EM SUA VOLTA PARA TRABALHAR EM UMA UNIVERSIDADE DO QUARTO MUNDO ¹
Com relação ao texto em discussão, texto elaborado pelo Dr. Samuel Sá, pesquisador do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA), nenhum reparo tenho a fazer. Cabe, entretanto, parabenizá-lo pela tentativa pioneira em nossa Universidade, no sentido de responder a pergunta. O que fazer com o pós-graduado da UFPA?. Tentando iluminar um pouco essa questão, vou procurar dar o meu testemunho, o mais isento possível de qualquer carga emocional ou passional.
Por indicação de meu querido amigo Professor Manoel Leite Carneiro, comecei a lecionar Física na Universidade Federal do Pará (UFPA), em agosto de 1961, no antigo Núcleo de Física e Matemática, localizado no prédio ao lado do atual Colégio de Segundo Grau da UFPA. A disciplina que me foi oferecida chamava-se Física-Matemática, e destinava-se a alunos do Curso de Bacharelado em Matemática, da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém. Era Engenheiro Civil formado pela Escola de Engenharia do Pará, em 1958. Além de profissional liberal em atividade, quer como engenheiro do Departamento Municipal de Estradas de Rodagem (DMER), quer como construtor e calculista de concreto armado, ensinava Física no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC) e Colégio “Abraham Levy” (CAL), onde aliás comecei a lecionar, em 1954, a disciplina Matemática do então Curso Secundário.
Oferecida a disciplina Física-Matemática, surgiu-me a primeira questão: qual era o programa?. Para saber o que iria lecionar, fui ao professor José Maria Hesketh Condurú, que já havia ensinado a mesma, e perguntei-lhe qual o programa. Ele me respondeu: Termodinâmica. Preparava as aulas em ficha e ia à casa do professor Condurú discutir sobre as mesmas. Basicamente, minhas aulas seguiam o livro do Sears sobre Termodinâmica. Naquela altura, comecei a usar derivadas parciais, as quais foram consideradas pelos meus colegas professores e pelos alunos como de “bom nível”, cheguei até de convencer que o eram. Para Termodinâmica, creio que as aulas eram razoáveis, porém, para o verdadeiro conteúdo da disciplina não, pois somente quatro anos depois, já em Brasília vim a saber o que era a disciplina Física-Matemática, quando fiz um curso sobre a mesma com o professor Marco Antonio Raupp. Não era nada de Termodinâmica aquilo que eu ensinava como se fosse Física-Matemática: tratava-se de Métodos Matemáticos da Física. (Creio que me redimi desse equívoco, ao dar um curso apostilado dessa disciplina, em 1972. Eu me redimi, e os meus alunos? Acredito que não tiveram muito prejuízo, pois dei uma disciplina do currículo com o nome de outra.)
Depois de Física-Matemática (quer dizer, Termodinâmica), passei a lecionar outras disciplinas, entre elas, Eletricidade e Magnetismo, ainda para alunos do Bacharelado de Matemática, e depois, para alunos de Engenharia. Nesta disciplina, cheguei até a deduzir as equações de Maxwell, sem saber muito bem o que elas representavam para a Física, pois, conforme disse anteriormente, o meu conhecimento dessa matéria, se limitava ao que havia aprendido na Escola de Engenharia do Pará (EEP) e que, por motivos alheios à minha vontade, não cheguei a cursar tal disciplina. Meu conhecimento dela, decorria de estudos próprios que fazia para ensiná-la no então Curso Científico do CEPC e do CAL, usando, principalmente, os livros do L. P. M. Maia, Salmeron, Johnson e Sears.
Um entendido em Física perguntar-se-á. Mas como o Bassalo ensinava as equações de Maxwell, se para chegar até elas é necessário o conhecimento de Análise Vetorial?. Reflexão correta. Eu sabia disso, pois folheava, de vez em quando, o livro de Reitz e Milford, sobre Eletromagnetismo, que eu havia adquirido por intermédio do saudoso mestre e amigo Rui da Silveira Britto. (O professor Rui Britto ia sempre ao Rio, e lá, na Livraria castelo, encomendava livros para mim, para o Manoel Leite, Moutinho e Rui Barbosa. De passagem, é necessário que eu faça uma justiça ao Professor Rui Britto: foi ele quem me ensinou Matemática Moderna, como era conhecida na época, principalmente a parte relativa aos Espaços Vetoriais, cujo livro utilizado foi o Halmos. Devo muito a esse professor.) Voltemos ao problema das equações de Maxwell. Como os alunos não sabiam Análise Vetorial (e nem eu), propus aos mesmos que daria aulas sobre esse assunto, aos sábados pela manhã. E assim foi feito. Estudei Análise Vetorial nos livros do Sérgio Sonnino e Luís Santaló. Quando já sabia esse assunto, foi fácil obter as equações de Maxwell. Isso deve ter acontecido no período 1962-1963.
No final de 1961 e começo de 1962, veio até Belém, o professor Carlos Alberto Dias, paraense, e que acabara de se bacharelar em Física, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FNFi), da Universidade do Brasil. Ele havia sido aluno dos professores José Leite Lopes e Jayme Tiomno, entre outros. Com uma recomendação desses dois professores, o Dias deu um curso para nós sobre Física Atômica, cujo texto era o livro do Professor Leite Lopes sobre o assunto e editado pelo Livro Técnico. Podemos dizer que esse curso foi o marco inicial da Física e da Geofísica na UFPA. Logo em 1962, o professor Curt Rebello Sequeira foi fazer um curso de Física no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), onde já se encontrava o professor Fernando Medeiros Vieira. Por indicação do professor Djalma Montenegro Duarte e minha, dois alunos de engenharia foram transferidos para o Rio, a fim de concluírem o Bacharelado em Física: Marcelo Otávio Caminha Gomes e Carlos Alberto da Silva Lima. Todas essas pessoas que saíram de Belém para o CBPF, tiveram sua aceitação nessa instituição de pesquisas físicas, graças à indicação do professor Carlos Dias.
Terminado o Curso do Dias, cujos lances dramáticos fará parte de uma outra história que contarei algum dia, Dias e eu idealizamos um plano de formação de paraenses. Eu selecionava alunos no CEPC e eles iam ao Rio para fazer vestibular e cursar Física e Geologia. Assim, por alguns anos, mandamos vários alunos para aquela cidade, entre eles, Lourenço, Ricardo, Netuno, Herberto, Gabriel Guerreiro, Homobono, Teixeira, Sérgio Guerreiro, Olivar, Haroldo, Bernardino e Lobão. Todos com bolsas de estudos da SPVEA e/ou INPA. (Aqui cabe um agradecimento ao saudoso Dr. Djalma Batista, do INPA, por sua compreensão e ajuda. Cumpre, também, dizer que tivemos alguns dissabores com pessoas influentes da SPVEA.) Nosso objetivo, do Dias e meu, era o de formar um grupo de paraenses que pudessem promover o desenvolvimento da Amazônia.
O movimento de 1964 provocou uma separação desse grupo. Uma parte foi para São Paulo, uma outra para Brasília, e os demais ficaram no Rio. Nessa altura, eu continuava a lecionar na UFPA e no CEPC. O Dias, nesse ano de 1964, foi para os Estados Unidos, e fez seu doutoramento em Geofísica, na Universidade de Berkeley. Antes, em 1963, eu havia ido ao Rio de Janeiro, quando, então, tive contato com o professor Jayme Tiomno, apresentado a mim pelo Dias. Quando esses alunos chegavam em Belém para passar as férias, sempre iam a minha casa. É oportuno dizer que morava com o meu sogro, o professor Machado Coelho, o qual acompanhou a formação dessas pessoas. Isso foi importante, pois graças a ele, o atual grupo de Geofísica da UFPA, pôde ser implantado em nossa Universidade, em 1972, quando era Reitor, o professor Aloysio da Costa Chaves. Como essa é uma outra história, não quero alongar-me, apenas dizer que, como havia uma certa rejeição por parte da cúpula da UFPA, para a implantação daquele grupo, o meu sogro, amigo e Chefe de Gabinete do Dr. Aloysio, falou-lhe a respeito do grupo que a UFPA estava para implantar. A decisão final do Dr. Aloysio aconteceu quando ele conversou com alguns dirigentes do CNPq e da CAPES, se não me falha a memória.
Voltemos a minha situação. Por saber que a Física que conhecia era insuficiente para que pudesse me considerar um professor universitário, aliado ao meu temperamento que não permitia realizar tranqüilamente os meus cálculos estruturais e, acrescido de uma observação que um desses alunos me fizera por ocasião de sua passagem de férias em Belém, decidi, então, ir aprender Física em Brasília, onde se encontravam os Professores Salmeron e Tiomno. Fui para essa cidade em março de 1965, juntamente com os recém-formados engenheiros Antônio Fernando dos Santos Penna, José Augusto Dias e Luís Fernando da Silva, e mais o acadêmico de engenharia Antônio Gomes de Oliveira. Fomos com bolsas do Centro Latino-Americano de Física (CLAF). Infelizmente, a crise que se abateu sobre a Universidade de Brasília, naquele ano, fez com que eu voltasse para Belém, pois a Universidade de Brasília acabou, já que cerca de 200 professores pediram demissão.
Ao chegar a Belém, dei um Curso de Cálculo Avançado para professores do Núcleo de Física e Matemática. No entanto, por discordância com a direção desse Núcleo, fui transferido para a Escola de Arquitetura, onde passei o ano de 1966. Nessa Escola, por não ser arquiteto, fui obrigado a ficar encostado (foi por essa ocasião que eu estudei o livro do Symon), sem quase poder retribuir à UFPA, aquilo que ela havia gasto com a minha ida para Brasília. (Para sair em 1965, pelo DMER, tive que pedir Licença-Prêmio e dois períodos de férias.)
Em 1967, por intermédio do meu querido e saudoso amigo Antônio (Tom) Leal fui transferido para a Escola de Engenharia, onde ensinei Eletromagnetismo, para o Curso de Engenharia Elétrica. No começo, ensinava, também, Estabilidade das Construções para o Curso de Engenharia Civil. Porém, ao iniciar o curso com a resolução de um sistema de duas equações a duas incógnitas (solução de um problema de equilíbrio isostático no plano), fui “gentilmente” obrigado a me afastar do ensino daquela disciplina, por incompatibilidade entre a minha pessoa, os alunos e a direção da Escola de Engenharia. Fiquei, apenas, ensinando no Curso de Engenharia Elétrica (Eletromagnetismo, Métodos Matemáticos da Engenharia e Mecânica dos Meios Contínuos), que era bastante independente e liberal.
Com a ida do professor Tiomno para São Paulo, em virtude de ele haver feito nessa cidade um concurso de Cátedra, desloquei-me para a USP, em 1968, a fim de fazer o meu curso pós-graduado. Infelizmente o AI-5 cortou o meu projeto de pós-graduação, já que o professor Tiomno, com quem pretendia fazer tese de mestrado, foi aposentado, entre outros professores de várias universidades brasileiras, no primeiro semestre de 1969. Quando terminei os cursos de pós-graduação, em julho de 1969, por acidente, um amigo meu, o professor Normando Celso Fernandes, em conversa próximo de sua sala de estudo, perguntou-me o que eu iria fazer. Contei-lhe o meu drama e aí ele me disse: Bassalo, por que tu não falas como Mauro (Sérgio Dorsa Cattani) (que havia sido meu professor), quem sabe ele não te arranja uma trabalho para o mestrado?. Foi então, que imediatamente fui falar com o Mauro, ele prontamente arranjou-me um trabalho em Forma de Linhas Espectrais. Fiz o mestrado com ele em 1973, o doutorado, em 1975, e até hoje trabalhamos juntos. (Já publicamos 12 trabalhos.) Quero, nesta oportunidade, agradecer ao meu estimado amigo Cattani, tudo o que fez por mim.
Quando retornei a Belém, em 1969, meu estimado e saudoso companheiro, Mário Tasso Ribeiro Serra, trouxe-me de volta ao Núcleo de Física e Matemática (NFM) da UFPA, em julho daquele mesmo ano. Ao retomar o contato com meus antigos colegas professores e tendo em vista a minha experiência como aluno e professor da UnB, e aluno pós-graduado da USP, decidimos montar um Curso de Pré-Mestrado com a finalidade de suprir as deficiências de um curso de graduação da UFPA, quer de Engenharia, quer de Licenciatura em Física, ou ainda, de Bacharelado em Matemática. Programado para funcionar em quatro fases, problemas ideológicos entre mim e a Direção do Núcleo, fizeram com que apenas duas fases fossem ministradas. Mesmo assim conseguimos ensinar coisas inéditas em Belém. O Moutinho deu uma parte de Cálculo Avançado, o Rui Barbosa ensinou várias técnicas de Cálculo Diferencial e Integral, o Manoel Leite viu aspectos novos da Álgebra Linear, o Mário Serra ensinou estruturas modernas da Álgebra, o Renato Condurú lecionou aspectos modernos da Análise Matemática, e eu dei um curso de Álgebra Tensorial. Eu era o Secretário-Executivo desse curso. Apesar de uma existência efêmera, cerca de meio-ano, apenas, de existência, houve uma grande ressonância e excelentes resultados foram conseguidos. Alguns alunos foram fazer pós-graduação no Rio, e hoje dois deles ocupam posição de destaque no cenário tecnológico do país. O Alberto Gabbay Canen, após mestrar-se na PUC/RJ fez o seu doutorado em Stanford, e hoje é conceituado engenheiro da Souza Cruz, no Rio e professor da PUC/RJ. O Nagib Charone, mestre pela COPPE, é engenheiro de fundações e bem situado em Belém, além de professor da UFPA.
Frustrada essa tentativa em começar um ensino de pós-graduação na área de Física e Matemática, sob uma política institucional, passei, a partir de 1970, a dar cursos de extensão, quer para professores, quer para alunos em término de graduação, que pretendiam fazer mestrado fora de nossa cidade. Nesses cursos foram estudadas coisas inéditas em Belém, como por exemplo, a Mecânica dos Meios Contínuos vista através da Análise Tensorial, cujas notas de aulas foram editadas pela UFPA, em 1973. Ainda nesse mesmo ano de 1970, em convênio entre a Escola de Engenharia da UFPA e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ministrei também um curso de Matemática para Engenheiros. Em 1972, ensinei mais dois cursos de extensão: Introdução à Mecânica Quântica e Métodos Matemáticos da Física, para professores e alunos do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPA. Todos esses cursos foram apostilhados.
A partir de 1971, com a política de capacitação docente introduzida na UFPA pelo então Reitor, Dr. Aloysio Chaves, sob o meu patrocínio, alguns professores de Física, de Matemática e de Engenharia foram fazer mestrado no Sul. Entre eles, destaco o Paulo de Tarso Santos Alencar, o Leopoldino Ferreira, o Orlando José Carvalho de Moura, o Paulo Roberto Souza, e o Téodulo Santos, só para ficar na área de Ciências Exatas. Minha influência pra a ida desses professores constou em conseguir o aceite deles e bolsas de estudo para todos.
Essa política de formação de pessoal docente continua até hoje, agora reforçada com a contribuição do Paulo Alencar, Leopoldino e Moura. No entanto, é necessário dizer que para a saída pra fazerem mestrado, dos professores José Ribamar Seguins Gomes, João Sandoval Bittencourt de Oliveira, Luiz Sérgio Guimarães Cancela e Elsen Furtado dos Santos Alencar, no período 1974/1975, não tive nenhuma participação. Ela se deveu ao professor Fernando Medeiros Vieira que conseguiu um convênio com a Universidade de Campinas (UNICAMP), através de um paraense, o físico e professor daquela Universidade, Wladimir Negrão Guimarães. No entanto, é necessário dizer que a permanência do Seguins, do Sandoval e Cancela, para continuarem a fazer o doutorado, logo em seguida ao término do mestrado, deveu-se, fundamentalmente,a interferência minha e do Paulo Alencar, então Chefe do Departamento de Física, junto ao então Reitor da UFPA, professor Clóvis Cunha da Gama Malcher. A partir de 1976, com a instalação do PICD-CAPES na UFPA, o meu papel, bem como o de professores do Departamento de Física, resume-se em incentivar a saída de professores e de alguns alunos recém-formados, incentivo esse, quer verbal, quer através de cartas de recomendação. Entre os paraenses que conseguimos mandar para fora de Belém, é oportuno dizer dois deles, o Antônio Boulhosa Nassar e o Benedito Rodrigues, se encontram nos Estados Unidos fazendo Doutoramento em Física. Para fechar esse ciclo de formação de pessoal, é oportuno dizer que o Departamento de Física conta atualmente com dois de seus professores fazendo mestrado: o José Correia Tancredi e José Tadeu, na UNICAMP, e dois fazendo doutorado: Henrique Antunes Neto, no CBPF, e o Jerônimo Alves, na USP. Dentre os alunos recém- formados, vários deles saíram, também, para fazer mestrado no Sul do País: Gabriel Pinto de Souza e Luiz Antônio Oliveira Nunes, em São Carlos; Glauter Pinto de Souza e Simone Frahia, no CBPF. Infelizmente, três alunos não puderam concluir o mestrado em São Carlos, por absoluta falta de condições econômicas: Petrus Agrippino, Péricles Oliveira Júnior e José Ivan Ferreira de Oliveira. Ainda por minha interferência direta, neste ano de 1983, teremos o primeiro paraense astrônomo: o Miguel Ayan. Embora não seja de minha área específica de atuação, graças a ajuda do professor Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, consegui que dois paraenses fossem fazer graduação e depois pós-graduação em Matemática, no IMUFRJ: o Luiz Carlos Botelho e o Wilson Oliveira.
Voltemos a minha luta na UFPA. Em 1972, tivemos uma verdadeira “luta de foice no escuro” para poder implantar o atual grupo de Geofísica, e graças a essa luta, tive meu nome denunciado no SNI como “subversivo (sic!), em conseqüência do que minhas aspirações em fazer mestrado na França, em 1972, foram objeto de “cassação branca”. Acabei fazendo o mestrado mesmo na USP, em 1973. Após fazer o doutorado em 1975, ainda na USP, tentei, por duas vezes, em 1975 e em 1980, fazer pós-doutorado, ainda na França. Não consegui, pois ainda perdurou a cassação branca. A última delas, aconteceu aqui em Belém mesmo.
Implantado o grupo de Geofísica, cujas dificuldades já me referi anteriormente, passei a fazer parte do Colegiado do Curso de Pós-Graduação oferecido por aquele grupo. Cheguei a ministrar dois cursos: um de Matemática Avançada e um de Eletrodinâmica Clássica. No entanto, meu relacionamento com a cúpula desse grupo de Geofísica foi se tornando cada vez mais difícil, por absoluta divergência ideológica. Antes minhas posições dentro do grupo eram vencidas e eu acatava as vencedoras. (A principal delas foi a relacionada com o egoísmo do grupo, ou seja, tudo para a Geofísica e nada para o resto.) No entanto, por ocasião de um seminário dado no Departamento de Física, pelo chefe do grupo, o Lourenço, divergimos radicalmente, pis eu achava, e continuo achando, que não pode haver uma boa Geofísica, sem ter uma boa Física, uma boa Matemática e uma boa Química, ele defendia o contrário. Quando percebi que a posição do Lourenço era também aceita pelos demais membros do grupo de Geofísica, com exceção do casal Maltez (Herberto e Maria Gil), decidi me afastar desse grupo. É importante que seja dito, que o grupo está tentando construir uma Física, uma Matemática e uma Química que sirva de apoio à Geofísica. Porém, no meu entender, essa visão é caolha.
Como não havia conseguido formar um grupo, que eu denominei de invariante por uma transformação de Reitor, no sentido idealizado pelo Dias e por mim, nos idos de 1962, voltei-me para o Departamento de Física, procurando fortalecer nossa política de formação de pessoal, quer através de mandar professores e alunos para estudar fora de nossa cidade, quer através de um Curso de Especialização para elevar o nível de nossos professores que, por várias razões, não puderam e não podem sair de Belém. Em 1975, em uma de suas visitas ao Pará, o La Penha nos sugeriu que fizéssemos um Curso de Especialização, chegando, inclusive, nessa ocasião, a oferecer um modelo do que ele havia feito no Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IMUFRJ), quando foi seu diretor. Pois bem, preparamos o projeto desse curso. Calcado nele, o Departamento de Matemática, o de Engenharia Elétrica e o de Línguas Vernáculas, preparam projetos equivalentes. Apesar desses projetos terem sido aprovados, o nosso durou algum tempo. Cheguei até a dar um Curso de Mecânica Quântica para o de Engenharia Elétrica. O nosso Curso de Especialização, depois de dormir em alguma gaveta, de alguma Assessoria, de alguma Pró-Reitoria, foi finalmente aprovado e, em agosto de 1981, começou a funcionar. No primeiro semestre do ano passado, ministrei, para esse curso, a disciplina Métodos Avançados de Matemática para Físicos.
Paralelamente à preocupação na formação de pessoal docente, procurei formar uma infra-estrutura bibliográfica para os pesquisadores do Departamento de Física. Assim, fiz vários projetos de pesquisa junto ao CNPq com o objetivo de adquirir revistas e livros especializados em Física. A seguir, o Paulo Alencar e o Antônio Oliveira, fizeram pedidos análogos ao CNPq. Os livros e revistas que adquirimos encontram-se incorporados ao acervo da Biblioteca Central da UFPA, com um carimbo no qual está registrado a propriedade do Departamento de Física, e ressaltada a participação do CNPq, na aquisição dos mesmos. Recentemente, o Paulo Alencar, o Seguins, o Moura, o Leopoldino e eu, recebemos nova ajuda do CNPq, depois de uma árdua luta e por interferência direta do La Penha. Também tive uma participação bastante efetiva, na implantação da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa do Pará (FADESP).
Ao finalizar esse primeiro depoimento sobre a minha vida universitária e feita “ao bater do martelo”, devido a permanência do tempo, pois tive cerca de dez dias para o apresentar impresso neste seminário [parece um tempo razoável, porém, por questão de sobrevivência física e intelectual, o meu tempo tem que ser dividido entre ser professor (ensino no momento duas disciplinas: Física II e Introdução à Física das Partículas Elementares), ser engenheiro do DMER, ser pesquisador, e ser datilógrafo], não poderei deixar de fazer duas observações. A primeira, à guisa de conclusão deste depoimento. No meu entender, as dificuldades encontradas pela Física no Pará, decorrem das dificuldades que a Física encontra no Brasil. É utópico pensar que em uma região subdesenvolvida de um país do 3o mundo, os reitorados dessa região (normalmente pessoas ideologicamente identificadas com o establishment), entendem que um país só se desenvolve se ele puder exportar tecnologia ao invés de matéria-prima e mão-de-obra, e que não se transfere tecnologia, absorve-se. E para absorver tecnologia, é necessário um respaldo científico e que este só possível de obter nas Universidades. No entanto, com um salário aproximado de 900 dólares pago a um professor universitário (nos Estados Unidos o salário-desemprego é de 800 dólares), não se pode ter uma boa Universidade. E esta, por sua vez, só será boa, se tiver bons estudantes e uma boa infra-estrutura, e os bons estudantes dependem de bons cursos de 1o e 2o graus. Mas estes não são bons porque os professores são subempregados, e não existe apoio material, enfim, as verbas são irrisórias. Poderíamos continuar a enumerar uma série de erros, mais seria enfadonho, e mesmo trágico, tal enumeração.
A segunda observação que gostaria de fazer ao término deste, relaciona-se com pessoas que ajudaram nessa minha luta universitária. Em primeiro lugar devo agradecer aos meus pais (Eládio e Rosa) e minha tia Luzia pela existência e primeira formação. Em segundo lugar a minha mulher Célia, que com o sacrifício de sua própria complementação intelectual soube aceitar minhas saídas de Belém para que eu pudesse obter essa formação toda truncada e incompreendida. Aos meus filhos Jô e Ádria, que perplexos no começo de suas vidas, não viam o seu pai e não compreendiam o porque da longa ausência, e hoje, de certa forma, ainda não compreendem também o porque de uma vida difícil. Aos meus sogros, professor Machado Coelho e Celina, pelo carinho e paciência com que suportaram um criador de casos a invadir seu lar, invasão quase imposta, pois minha condição econômica não permitia, naquela altura, que eu pudesse sair de Belém com a família, já que meu temperamento não permite aceitar certas benesses “naturais” em uma região subdesenvolvida. Por fim, ao Dr. Maluf Gabbay, ao permitir que eu fizesse a pós-graduação em São Paulo, mantendo o meu salário no DMER.
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1. Artigo publicado no Boletim de Serviço da UFPA 36, março de 1986.