Em outubro de 1879, o físico norte-americano Edwin Herbert Hall (1855-1938) realizou na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos da América do Norte, uma experiência na qual observou que quando uma longa lâmina de ouro (Au), percorrida longitudinalmente por uma corrente elétrica I, é colocada normalmente às linhas de força de um campo de indução magnética B constante, surge, entre as laterais dessa mesma lâmina, uma diferença de potencial VH, dada por: VH = IRH, onde RH ficou conhecida como resistência Hall, que é diretamente proporcional a (módulo de B). Imediatamente, o físico, também norte-americano, Henry Augustus Rowland (1848-1901), professor de Hall, interpretou essa diferença de potencial como sendo devida ao acúmulo de cargas elétricas de sinais contrários, cargas essas cujo deslocamento para as laterais da lâmina ocorre em virtude da ação da “força eletromagnética’’ que atua nos “fluidos elétricos’’ individuais que compõem a corrente elétrica, segundo o modelo do “fluido elétrico’’ vigente nessa época. Essa observação de Hall, publicada em 1879 e em 1880, é hoje conhecida como o Efeito Hall Clássico (EHC).
Sobre o EHC, é oportuno tecer alguns comentários. O primeiro refere-se ao fato de que tal efeito corrigiu um equívoco cometido pelo físico e matemático escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) em seu livro intitulado A Treatise on Electricity and Magnetism, publicado em 1873, no qual afirmou que a força (F) decorrente de B só atuava no condutor propriamente dito, e não nas cargas elétricas que compõem a corrente elétrica. Para Maxwell, essa força era dada por (em linguagem atual): F = C B, onde C = K + dD/dt. Nesta expressão, C significa a densidade de corrente real, dD/dt representa a densidade de corrente de deslocamento e K = c E é a densidade de corrente de condução (sendo c a condutividade específica e E o campo elétrico). O segundo comentário é o de que a “força” considerada por Maxwell só foi conceituada pelo físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928; PNF, 1902), em 1892, por intermédio de sua célebre expressão (na linguagem atual): FL = q v B, onde v é a velocidade da carga elétrica q, hoje conhecida como força de Lorentz. Como terceiro comentário, é interessante registrar que o físico e químico alemão Walther Hermann Nerst (1864-1941; PNQ, 1920), com a colaboração de seu aluno, o físico alemão Albert von Ettingshausen (1850-1932), descobriu, em 1886, que um gradiente de temperatura ao longo de um condutor elétrico colocado perpendicularmente em um campo magnético provoca uma diferença de potencial entre as extremidades opostas desse condutor. Esse efeito, também conhecido como efeito Ettingshausen-Nerst, é análogo ao EHC. Por fim, é ainda oportuno comentar que A. B. Basset, em artigos publicados em 1891, 1893, 1895 e 1897, fez um estudo conectando o EHC com o efeito magneto-óptico ou Efeito Faraday. Para maiores detalhes do EHC, ver: William Francis Magie (Editor), A Source Book in Physics (McGraw-Hill Book Company, Inc., 1935); e Sir Edmund Taylor Whittaker, A History of the Theories of Aether and Electricity: The Classical Theories (Thomas Nelson and Sons Ltd., 1951).
Até 1980, a resistência Hall (RH) era conhecida por intermédio da expressão: RH =B/(ne), com n representando a densidade eletrônica por cm3, e e é a carga elétrica do elétron. Contudo, a partir dessa data, foi descoberto que RH variava discretamente, conforme foi mostrado em várias experiências e devidas explicações teóricas, que valeu o Prêmio Nobel de Física (PNF) de 1985, para o físico alemão Klaus von Klitzing (n.1943), pela descoberta do Efeito Hall Quântico Inteiro.
Von Klitzing doutorou-se na Universidade de Würzburg, na Alemanha, em 1972, sob a orientação do físico alemão G. Landwehr (n.1929). Entre 1975 e 1976, realizou pesquisas no Laboratório Clarendon, em Oxford, na Inglaterra, e, entre 1979 e 1980, no Laboratório de Alto Campo Magnético, em Grenoble, na França. Seu interesse pelo EHC começou em 1980 quando, com a colaboração dos físicos, o alemão Gerhard Dorda (n.1932) e o inglês Sir Michael Pepper (n.1942), começou a realizar medidas precisas da RH trabalhando com gás eletrônico bidimensional. Para isso, usou um tipo especial de transistor de silício (Si), o MOSFET (“Metal Oxide Semiconductor Field Effect Transistor”), no qual os elétrons podem ser conduzidos em uma camada entre dois semicondutores. Quando essa camada é bastante estreita, da ordem de um nanômetro (1 nm = 10-9 m) e a temperatura é bastante baixa, em torno de 1,5 K, um campo magnético muito intenso obriga os elétrons a ocupar bandas de energia (as conhecidas bandas de Landau) separadas por intervalos finitos e que contêm apenas alguns níveis de energia isolados. Desse modo, os elétrons são então forçados a se deslocar em um plano paralelo à superfície do semicondutor. O estudo desses elétrons bidimensionais é conhecido como Física 2D. Para detalhes sobre o EHC e os semicondutores, ver: www.searadaciencia.ufc.br/bassalo/curiosidadesdafisica.
Assim, sob as condições experimentais descritas acima, von Klitzing, Dorda e Pepper fizeram, naquele ano de 1980, uma descoberta sensacional, qual seja, eles observaram que RH não variava linearmente com a intensidade do campo magnético H (lembrar que B = H), como no caso clássico. Os gráficos dessa variação lembravam uma escada, com cada degrau separado pelo valor h/(e2 i), onde h é a constante de Planck, e i = 1, 2, 3 … , é um número quântico inteiro apropriado, do qual falaremos mais adiante. Além do mais, eles encontraram que essa resistência Hall quantizada se relacionava com a constante de estrutura fina por intermédio da relação: , onde é a permeabilidade magnética do vácuo, e c a velocidade da luz, também no vácuo. Eles ainda notaram que nos degraus essa resistência ia a zero, comportamento típico de um supercondutor.
Agora, vejamos o significado físico do número quântico i. Classicamente, elétrons sob a ação de um campo magnético intenso descrevem órbitas circulares (“órbitas de ciclotron”) em consequência da força de Lorentz, vista acima. Quanticamente existe somente um conjunto discreto de órbitas permitidas com energias também discretas, que caracterizam os níveis de Landau (NL), cuja energia é dada por EL = h e B/(2π m), onde m representa a massa do elétron. Ora, como sabemos que os elétrons com energia no interior de uma banda de energia participam da corrente de condução, a conhecida banda de condução, então, nos intervalos (“gaps”) entre as bandas, os elétrons só podem ocupar os poucos níveis isolados, que são estados localizados que não participam da corrente de condução. Portanto, a ocupação desses níveis isolados não altera a resistência, resultando nos degraus observados. Desse modo, o número quântico i indica as bandas de Landau totalmente preenchidas até um dado degrau. Como o i é um número inteiro, essa descoberta de von Klitzing, Dorda e Pepper recebeu o nome de Efeito Hall Quântico Inteiro (EHQI). Para maiores detalhes dessa descoberta, ver a Nobel Lecture: The Quantized Hall Effect (09 de Dezembro de 1995: Nobel e-Museum) de von Klitzing.
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